
Feriado público desde 1965, 9 de maio, Dia da Vitória, comemorando a derrota da Alemanha nazista em 1945, tem sido uma data marcante no calendário soviético/russo. Sob Vladimir Putin, como observado por muitos comentaristas, a “Grande Guerra Patriótica” funciona como um conceito chave para federar e mobilizar a opinião pública. No entanto, deve-se notar que as datas desta guerra (1941-1945) não cobrem toda a Segunda Guerra Mundial. A omissão do período 1939-1941 não é insignificante: antes da invasão da URSS pela Alemanha em 1941, Hitler e Stalin estavam vinculados ao pacto de não agressão Ribbentrop-Molotov assinado em 23 de agosto de 1939, tendo fracassado a ideia de uma aliança anglo-franco-soviética. O infame “protocolo secreto” anexado ao pacto (cuja existência não foi admitida na Rússia até 1989) deu aos soviéticos carta branca para suas ações contra os estados bálticos, Finlândia e Bessarábia – atual Moldávia – bem como o leste da Polônia. Todos esses territórios foram devidamente atacados e ocupados (exceto a Finlândia por causa de sua resistência durante a Guerra de Inverno de 1939-1940) pela URSS antes do lançamento da Operação Barbarossa por Hitler em 22 de junho de 1941 que pôs fim ao acordo. A ligação entre a assinatura do pacto e a invasão alemã da Polônia uma semana depois é óbvia: pode-se dizer que, se foi Hitler quem abriu as hostilidades, foi a URSS quem ditou o cronograma inicial.
É interessante notar uma evolução das palavras de Putin ao longo do tempo em relação ao pacto germano-soviético. Novamente em 2009-2010, quando procurou normalizar suas relações com o governo polonês, Putin estava pronto para presidiário o acordo de 1939. Em 2014-2015, no entanto, uma reviravolta tática parece ter ocorrido no Kremlin, com a colaboração de Hitler e Stalin tornando-se mesmo um "sucesso eminente" da diplomacia soviética, segundo o ministro da Cultura, Vladimir Medinsky. As razões para esta nova leitura são bastante óbvias. Ouvir a retórica de Moscou contra os países vizinhos, o heroísmo russo e sua pureza ideológica diante do nazismo – evocados abertamente para justificar a atual campanha ucraniana – são noções centrais, em 9 de maio sua consagração pública. Esse relato exclui logicamente qualquer crítica às ações da URSS durante a Segunda Guerra Mundial; também foi aprovada em 2014 uma lei que criminaliza a "difusão de informações falsas" sobre o assunto, termo usado no código penal soviético contra dissidentes, como observa o historiador Nikolai Koposov.
Após semanas de especulação da mídia sobre possíveis declarações beligerantes de Vladimir Putin em 9 de maio, o dia em si finalmente aconteceu em meio-tom. Menos tropas do que o habitual marcharam por Moscou, o chefe de gabinete Valery Gerasimov estava ausente e nenhuma aeronave militar (incluindo o famoso " plano do apocalipse“, o Ilyushin II-80) apareceu no céu. A guerra não foi oficialmente declarada à Ucrânia e a mobilização geral russa não foi anunciada. Pelo contrário, o discurso de Putin foi uma consolidação da narrativa russa existente para uma audiência nacional já adquirida, com todos os tropismos já conhecidos: a luta contra o nazismo, a "inevitabilidade" do conflito com o Ocidente à luz de uma ameaça iminente de ataque da OTAN a território russo e a intenção da Ucrânia de adquirir armas nucleares. Significativamente, não houve menção a outros objetivos militares além da luta pelo Donbass.
Analistas e diplomatas, portanto, se concentraram no que não foi dito na Praça Vermelha na segunda-feira e por quê. Mikhail Kasyanov, ex-primeiro-ministro de Putin (2000-2004) que se tornou muito crítico dele, por exemplo, considerou que o presidente russo não poderia declarar guerra à Ucrânia (um pré-requisito constitucional para a mobilização geral) nesta fase, porque isso teria sido um confissão de fato do fracasso da atual "operação militar especial". Para Kasyanov, o discurso bastante estereotipado de Putin refletiria, portanto, o impasse no terreno na Ucrânia e a incapacidade das forças russas de proclamar qualquer vitória concreta. Uma visão um pouco diferente foi expressa pelo chefe da inteligência dos EUA Abril Haines, que se recusa a ler como um sinal de fraqueza a autolimitação de Putin em comentários sobre o Donbass. Para Haines, a Rússia estaria se preparando para um conflito mais longo, contando com o enfraquecimento da determinação ocidental quando a potencial escassez de alimentos e energia começar a cobrar seu preço nos próximos meses. Segundo ela, a estratégia russa de longo prazo teria como alvo Odessa e a Transnístria no Ocidente (ver LSDJ n ° 1577): a declaração de lei marcial/mobilização permaneceria provável, uma vez que esse objetivo não é alcançável pelo exército russo em seu estado atual. Podemos, portanto, esperar muitos desenvolvimentos na Ucrânia antes do próximo VE Day dentro de um ano.
Pedro Bannister
Fonte: LCI YouTube
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