O eleitorado evangélico no centro da batalha Lula-Bolsonaro [OPINIÃO]

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No Brasil, o evangélicos, que representam alguns 30% dos cidadãos, tornaram-se um eleitorado a ser “conquistado” a todo custo. Eles terão um papel fundamental no segundo turno, que colocará o ex-presidente Jair Bolsonaro contra Lula em 30 de outubro.

Para manter essa base eleitoral que o apoiou amplamente antes e durante seu mandato, Jair Bolsonaro foi em 2021 até nomear um juiz “muito evangélico” ao Supremo Tribunal Federal – instituição que muitas vezes se opõe a ele desde 2018 – e, em março deste ano, declarar aos líderes religiosos evangélicos (pastores, bispos etc.) que “levaria o Brasil para onde eles quisessem”.

Lula, por sua vez, dedicou parte de sua campanha ao reconquista do eleitorado evangélico que se afastaram do Partido dos Trabalhadores (PT) durante a gestão de Dilma Rousseff; assim, muito recentemente, participou de um encontro com representantes fiéis e evangélicos no Rio de Janeiro, onde lembrou aos presentes "tudo o que o PT fez pelos evangélicos" e afirmou em várias ocasiões ser crente.

Votação e a Bíblia

Se os dois candidatos apurados no segundo turno atribuem tanta importância a esse eleitorado, é porque a particularidade dos evangélicos reside no fato de que, diferentemente dos católicos, que representam entre 48 e 52% da população, e praticantes de outras religiões – cerca de 10 % da população, todas as outras denominações combinadas – são, em geral, mais engajadas no “ativismo da fé” – ou seja, votam com mais frequência do que outras com base em suas crenças religiosas.

Nem sempre foi assim. De fato, até a década de 1970, os protestantes brasileiros, em sua maioria, mantinham-se afastados de assuntos relacionados à política. A principal explicação para essa mudança é o fato de as Igrejas evangélicas mais conservadoras perceberem as evoluções sociais vividas pelo Brasil como uma “crise moral”. Essa noção de crise moldou toda a história política do "Bloco Evangélico", pois, à medida que o apoliticismo enfraqueceu, são os evangélicos moralmente mais conservadores que mais investiram no campo político, para combater essa crise moral que perceberam .

A votação em candidatos evangélicos – que, por causa de sua filiação religiosa, devem priorizar os interesses das igrejas, como a difusão e proteção da “família tradicional” e da moral religiosa – tem sido frequentemente apresentada em sermões proferidos nas igrejas como obrigação.

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O imenso apoio dado pelos evangélicos a Jair Bolsonaro quando foi eleito em 2018 – foram 70% para votar nele – mostra que seus discursos e valores conservadores conseguiram cativar esse eleitorado.

Evangélicos seduzidos por Bolsonaro

Para entender o sucesso de Bolsonaro em 2018, devemos primeiro reconhecer que o Brasil passava por um período complexo e particular naquele momento. Dilma Rousseff havia sido deposta em 2016, e o cenário político brasileiro estava extremamente tenso com a polarização violenta. Após quase 15 anos no poder do Partido dos Trabalhadores, grande parte da população desejava uma nova alternativa.

Jair Bolsonaro surge nessa paisagem construindo em torno dele um simples imaginário – ele é o messias, um estranho anticorrupção que vem salvar o Brasil dos estragos da era petista. Católico, foi batizado em 2016, em Israel, por um pastor evangélico que na época era presidente do Partido Social Cristão. A cientista política Magali Cunha explicado a forma como o discurso de Bolsonaro revela afinidades com a “cultura evangélica” dos evangélicos brasileiros, que promove seu alinhamento ideológico com o bolsonarismo, cujas noções de “proteção da família” e apoio ao empreendedorismo “respondem à imaginação de pessoas simples […] E também atrair as classes médias, que se orientam por desejos – a busca de harmonia, estabilidade e felicidade – enraizados em um passado idealizado de privilégios de classe e apelo à meritocracia. »

No entanto, o apoio dos evangélicos a Bolsonaro não é sistemático nem infalível. Se hoje ele é apresentado mais uma vez como o candidato dos evangélicos, em dezembro de 2021 Lula apareceu nas pesquisas como o candidato preferido dessa população. Bolsonaro ainda pode contar com evangélicos para ser reeleito?

A disputa pelo “voto evangélico”

Seria errado supor que o “voto evangélico” seria homogêneo. Em primeiro lugar, porque o movimento evangélico não é um monólito – é composto por diferentes correntes, diferentes igrejas, com líderes que aderem a diferentes ideologias. Em segundo lugar, os evangélicos per se são um grupo muito heterogêneo, com grandes variações de renda, em suas experiências sociais, em suas sensibilidades políticas e ideológicas.

Devido à pluralidade inerente ao movimento evangélico, apesar de sua imagem de grupo ultraconservador, seu comportamento eleitoral é mais moderado do que se poderia esperar. De fato, ser evangélico não os torna não mais extremo do que outros conservadores. Assim, apesar do sucesso de Bolsonaro com os evangélicos em 2018, nas eleições de 2022 esse eleitorado parece mais dividido do que nunca. No momento, há tensões significativas dentro de certas Igrejas evangélicas cujos fiéis - especialmente entre os jovens, as mulheres e os mais desfavorecidos - se ressentem da pressão exercida por seus líderes que os convidam a apoiar Bolsonaro, às vezes a ponto de deixar a Igreja.

Se em 2018 Bolsonaro se apresentava como um outsider e a antítese dos políticos de carreira, engrenagens de um sistema intrinsecamente corrupto, em 2022 essa retórica não é mais efetiva. Isso explica a insistência da campanha de Bolsonaro em mobilizar o argumento religioso, destacando em grande parte sua esposa, Michel Bolsonaro, evangélico da Igreja Batista; e construir uma imagem “diabólica” de Lula – reunindo religiões afro-brasileiras que são tipicamente vistos de forma muito negativa pelos evangélicos em geral, por exemplo – de modo que votar no PT acaba sendo visto como anticristão.

Em resposta a essa campanha, Lula começou, pela primeira vez, a falar diretamente para o público evangélico. Assim, durante seu encontro com evangélicos no Rio de Janeiro, ele martelava que os diversos programas sociais implantados durante seus dois mandatos beneficiaram "a família", enquanto o próprio Bolsonaro desmantelou a maioria desses programas.

Ao fazê-lo, Lula busca demonstrar a afinidade de seu governo com os valores dos evangélicos, reabilitando a esquerda aos olhos desse eleitorado, pois apresenta seus programas sociais como formas de proteção às famílias e, portanto, em última instância, aos valores cristãos. Durante seu discurso, ele não mencionou em nenhum momento temas que pudessem provocar uma reação negativa de seu público, ou seja, questões sociais às quais os evangélicos são particularmente sensíveis, como os direitos da população, LGBT ou desigualdades de gênero.

O voto religioso

O campo sociológico já produziu muitas teorias para explicar o comportamento eleitoral dos indivíduos, e é geralmente aceito que hoje, as "variáveis ​​pesadas" (classe social, idade, religião, categoria socioprofissional etc.) au contraire, “o eleitor não é totalmente livre, nem totalmente determinado, nem prisioneiro das variáveis ​​sociológicas, nem jogado de um lado para o outro de acordo com as circunstâncias. Sua escolha é fruto de um processo em que se misturam fatores sociais e políticos, estruturais e econômicos, de longo e de curto prazo. […] Seja qual for a eleição, suas apostas, o espaço onde se joga, os candidatos presentes, os católicos praticantes serão mais conservadores que os sem religião, os trabalhadores mais à esquerda que os patrões. Mas essas potencialidades são realizadas apenas no quadro de uma votação específica que deixa espaço para as estratégias específicas dos eleitores. »

Essa observação é totalmente válida para os eleitores evangélicos no Brasil. Dentro estudo sobre religião e o eleitorado latino-americano de 2015, Taylor Boas e Amy Erica Smith consideram que "a religião faz a diferença na escolha eleitoral em parte significativa da região e, em particular, no Brasil, mas os autores explicam que é preciso que essa identidade seja 'ativada' por meio a mobilização de candidatos e/ou líderes religiosos, que assim politizam a escolha do eleitor. »

Essa "ativação" da identidade evangélica foi totalmente bem sucedida por Jair Bolsonaro em 2018: nessa eleição, nessa eleição, os evangélicos tinham 17% mais chance ter votado em Bolsonaro do que seguidores de outras religiões e ateus.

Assim, a identidade evangélica pode ser mobilizada como elemento prioritário na escolha do candidato e, nesse quadro, é o argumento moral que vai determinar o voto – este constitui o “voto religioso”. Mas outras identidades também podem ser mobilizadas apesar da adesão do indivíduo a uma igreja evangélica. Isso explica o apoio de alguns evangélicos a Lula – em especial mulheres, jovens e pessoas desfavorecidas, que preferem apresentar aspectos diretamente relacionados às suas condições de vida e votar em um candidato reconhecido pela eficiência. não compartilham alguns de seus valores conservadores.

No entanto, o atual contexto socioeconômico do Brasil é profundamente marcado pelos efeitos da crise sanitária, aumento das desigualdades sociais, inflação e desemprego. Essas questões sociais pesam mais nos debates do que em 2018 – o que deve favorecer Lula (inclusive com os evangélicos) no segundo turno, que acontecerá em 30 de outubro.

Ana Carolina Freires Ferreira, doutorando em sociologia no Centre Émile Durkheim, Université de Bordeaux

Este artigo foi republicado a partir de A Conversação sob licença Creative Commons. Leia oartigo original.

Crédito da imagem: Shutterstock / casa.da.photo

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